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Crônica: E se os imigrantes “voltassem para a sua terra”?
"Havia menos pessoas disponíveis nas caixas e havia produtos em falta". Foto: Mick Haupt / Unsplash.

Crônica: E se os imigrantes “voltassem para a sua terra”?

"Sentou-se num café e, pela televisão, um repórter informava que o governo esperava uma grande quebra nos rendimentos para aquele ano e que setores como a construção, agricultura e turismo já nem sabiam como operar, o que poderia aumentar os preços dos alimentos e das casas."

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por DN Brasil

Texto: Diogo Batalha

Um dia, algo extraordinário aconteceu. Cansados de terem mais deveres do que direitos, e após uma grande manifestação de pessoas que pediam a expulsão dos imigrantes - alegando que todos estes eram criminosos -, os imigrantes decidiram que era hora de sair daquele país e voltar para a sua terra.

No dia seguinte, Dona Maria acordou e, logo de cara, estranhou que ouvia apenas os pássaros cantando. Nada de barulho de máquinas na obra vizinhança que já se arrastava há algum tempo.

Ela, que sempre viveu no bairro, sentia-se um pouco perdida com tantas caras novas e que ela não compreendia muito bem. Ao ouvir o seu vizinho João falar sobre como a imigração estava causando grandes danos, decidiu se aliar à causa. “Empurrada” pelo vizinho, era uma das milhares de pessoas presentes na Grande Manifestação Nacional, como ficou conhecido o evento que pedia a expulsão dos imigrantes.

Ao sair de casa, se deparou com o engenheiro da obra a olhar para as máquinas paradas. “Não sei o que fazer”, teria dito. Os poucos trabalhadores que tinha à disposição, agora teriam que trabalhar o dobro. A obra iria atrasar muito mais devido aquela situação.

Ao chegar ao Mercado, ela estranhou um vazio. Havia menos pessoas disponíveis nas caixas e havia produtos em falta. O único funcionário do estoque tentava repor o que faltava nas prateleiras o mais rápido que podia. E, sozinho, ninguém pode muito.

Dona Maria então pensou que iria sentir falta de conversar com a Joana, funcionária da caixa, que era brasileira. Trocavam algumas palavras com muita simpatia. Gostava de a ouvir contar coisas sobre o Brasil, de viagens e do carnaval. Aprendeu bastante sobre um outro modo de vida e sempre achou a jovem Joana muito bonita. Mas, depois de um tempo, percebeu que ela era, na verdade, sorridente.

Teve de esperar para ser atendida, já que agora havia muito mais idosos para utilizar as poucas caixas de pagamento disponíveis. Não havia nenhum que fosse preferencial. Descobriu pela funcionária da caixa que muitos produtos sequer chegaram ao mercado. “Alguns motoristas que trazem os produtos também partiram. Todos os mercados estão com o mesmo problema”, disse-lhe.

Decidiu então ir até o centro de saúde para ver se ao menos a sua consulta para uma operação – que esteve a espera por meses – poderia finalmente ser marcada. Afinal, só aceitou ir na Grande Manifestação Nacional pois o seu vizinho João havia garantido que, se os imigrantes fossem embora, o sistema de saúde funcionaria perfeitamente. Afinal, havia pessoas a mais no país para serem atendidas por ele.

Mas qual não foi a surpresa, ao chegar na porta do centro de saúde, e descobrir que ele estava fechado. Havia apenas um anúncio na porta que dizia: “Devido a situação inesperada da falta de profissionais, todas as unidades estarão fechadas até que seja preparado um plano de reorganização do sistema de saúde”. Pelos vistos, a sua consulta talvez demorasse ainda mais do que imaginava.

Sentou-se num café e, pela televisão, um repórter informava que o governo esperava uma grande quebra nos rendimentos para aquele ano e que setores como a construção, agricultura e turismo já nem sabiam como operar, o que poderia aumentar os preços dos alimentos e das casas.

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Enquanto esperava o seu transporte para retornar ao bairro – que demorou muito mais do que o normal – começou a vislumbrar a realidade. Já tinha idade o bastante para saber que, mesmo que cada pessoa que ficou no país tivesse cinco filhos ao mesmo tempo, os problemas que enfrentavam não acabariam de uma hora para a outra. Talvez, ainda iriam faltar vagas para todas as crianças nas creches.

No final do dia, exausta, andava pela rua do centro histórico, onde agora só havia turistas e hotéis. Encontrou numa esquina com o João, que está sempre de braços cruzados e cara amarrada para o mundo. Ele então começou a falar do caos que foi o dia. Em como as coisas vão de mal a pior. Que aqueles que ficaram no país são grandíssimos preguiçosos e que, por isso, os serviços estariam ruins. Então, concluiu com “o problema do país é que as pessoas de hoje em dia já não querem trabalhar”.

Dona Maria olhou ao seu redor e viu que o bairro em que cresceu estava mais monocromático, monotemático e monótono. Finalmente percebeu que, no fundo, talvez o João não gostava tanto assim do próprio país. Gostava mesmo era de ouvir a própria voz a esbravejar.

Triste, Dona Maria chegou em casa com a certeza de que estava errada. Os imigrantes nunca foram um peso para o país. Eram, na verdade, o motor de toda a sua diversidade.

Diogo Batalha é redator há quase duas décadas (e desde 2015 vive em Portugal). É aracajuano desde que nasceu e detesta que não saibam onde Aracaju fica no mapa. Pai de uma pequena portuguesa, tenta achar palavras para explicar até mesmo o que ainda não consegue compreender.

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