Brasileira em Portugal destaca participação do Brasil no mercado de energias renováveis
O painel da Fictor Energia contou com a participação da brasileira Thaynara Leal, consultora sênior em transição energética e mestranda em estudos sociais ambientais e de sustentabilidade no ISCTE-IUL.
Texto: Amanda Lima
Recentemente, Lisboa sediou um evento para discutir a transição energética, a Conferência Ibero-brasileira de Energia (CONIBEN). O painel da Fictor Energia contou com a participação da brasileira Thaynara Leal, consultora sênior em transição energética e mestranda em estudos sociais ambientais e de sustentabilidade no ISCTE-IUL. Em entrevista, a imigrante analisa a importância dos investimentos em energias renováveis.

Que medidas específicas podem ser adotadas pelo governo ou por outros agentes para complementar esse papel da iniciativa privada e criar um ambiente mais favorável para esses investimentos?
Fomento e incentivo ao uso de sistemas mais democráticos de geração de energia por fonte renováveis como o uso de sistemas fotovoltaicos, porém não só usar os sistemas como integrá-los de maneira inclusiva e eficiente, olhando para a realidade de cada comunidade/região. Ex. em regiões isoladas, garantir o acesso a energia por sistemas off-grid (por solar fotovoltaica) com banco de baterias e geradores eficientes a partir de biocombustíveis, e para regiões com acesso a rede de baixa tensão, construir comunidades energéticas através da geração distribuída de energia solar.
Como a pressão global sobre mudanças climáticas e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU pode ser transformada numa oportunidade estratégica para empresas brasileiras, especialmente no mercado internacional?
A oportunidade estratégica já existe, através da ODS 7, que é a garantia de energia limpa e acessível. O que a iniciativa privada precisa é de incluir os indicadores dessa ODS de forma eficiente nas suas ações, assegurando direitos, inclusão e financiamento a partir da parceria com o setor público e terceiro setor.
Sendo um país de destaque em renováveis, mas também com uma ampla tradição na extração de petróleo, como crê que deve se dar o equilíbrio dessas potências econômicas brasileiras, fósseis e renováveis?
O Brasil tem uma oportunidade única de ser o player principal do “jogo” da transição, por ser um país que ainda detém muitos recursos minerais e energéticos renováveis, por ter o protagonismo do engajamento na agenda ambiental e climática e por ser um país dinâmico e com uma geopolítica energética muito reconhecida e prestigiada.
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Como equilibrar investimentos em fontes renováveis já maduras, como hidrelétricas, com o desenvolvimento de novas tecnologias, como hidrogênio verde e energia offshore?
De antemão digo que precisamos sair da dependência das hidros, justamente pelo facto de vivermos numa incerteza climática nunca antes vista. Depender de sistemas como as hidroelétricas, é aumentar a insegurança energética e onerar pessoas e comunidades pelo uso de fontes de reserva mais poluentes como os termos na ausência das hidros. Precisamos virar o jogo e usar os mecanismos de adaptação climática para aumentar a participação de centrais solares e eólicas na matriz energética e investir pesadamente em sistemas mais eficientes de armazenamento de energia para suprir a procura dessas fontes intermitentes. O hidrogênio vem complementar a procura de energia renovável justamente pelo fato do seu potencial energético poder ser aplicado a grandes indústrias, resolvendo assim alguns desafios de produção e distribuição de energia. Além disso, precisamos tornar a participação de recursos energéticos esquecidos (como a bioenergia) também protagonista da transição e incentivar essa fonte com a renovação e aplicação de programas como o RenovaBio.
Que políticas públicas ou estratégias empresariais podem ser implementadas para atender essas regiões e reduzir desigualdades no acesso à energia limpa?
As parcerias Publico-Privada-Terceiro Setor devem ser prioritárias na articulação e implantação de projetos e ações para levar energia limpa e inclusiva a regiões deficitárias de energia. É preciso uma organização mais transversal (em conjunto com a sociedade civil e comunidades afetadas) para a aplicação eficiente desses projetos/ações. Mecanismos de financiamento existem, o que falta é boa vontade e uma cooperação mais eficiente e democrática.
Como avalia o papel de projetos descentralizados, como mini e microgeração, na promoção de um acesso mais equitativo à energia renovável?
A meu ver, são projetos extremamente importantes, visto que acessam regiões onde as centrais de energia não chegam. Micro e Minigeração trazem mais autonomia para as pessoas e para as comunidades, e acesso facilitado.
Acredita que parcerias internacionais, como as relacionadas ao financiamento climático, são efetivas para consolidar o papel do Brasil como referência em sustentabilidade ou é preciso ação independente e proativa do país perante suas especificidades?
Com certeza, sem financiamento externo não conseguiríamos efetivar, de forma integral, a transição energética no Brasil. Porém, acredito que o papel do Brasil deve ir além de receber e direcionar o financiamento recebido. O Brasil pode liderar as estratégias de aplicabilidade do financiamento em projetos e iniciativas locais a partir do conhecimento que tem das diversas realidades. O país pode ser um catalizador e co-criador de ações em conjunto com as parcerias PPTS (Público-Privada-Terceiro Setor) locais.
Como garantir que as comunidades locais e populações mais vulneráveis sejam diretamente beneficiadas pelos investimentos em energia renovável?
Fazendo acontecer a Transição Energética Justa, garantindo direitos, acesso inclusivo, autonomia, desenvolvimento sustentável e fomentando empregos verdes nas comunidades.
Vê a transição energética como uma oportunidade para reduzir desigualdades regionais e sociais no Brasil, mas como aproximar as ONGs das empresas e os seus interesses comerciais, ambientais e de gestão desses projetos?
Acredito que a Transição Energética JUSTA é capaz de reduzir desigualdades e de trazer as comunidades para o “centro”, garantindo o seu desenvolvimento social, ambiental e energético. Acredito, também, que à aproximação integral das ONGS às empresas só será possivel quando a iniciativa privada passar entender os aspectos socioeconômicos de regiões vulneráveis e garantir ações de melhora coletiva - e não apenas individual e visando o lucro como vemos, muita das vezes. O papel da empresa é garantir o desenvolvimento das populações atendendo à procura e oferecendo futuro e eficiência. O lucro seria uma consequência do esforço, comprometimento e engajamento da iniciativa privada em garantir o bem-estar social coletivo e individual. A relação precisa ser ganha-ganha para o meio ambiente, para pessoas (sejam individuais, empresas) e para o planeta.
amanda.lima@dn.pt
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